Page 30 - Revista da Ordem - Edição 26
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pitoresco Elizandro Pellin

O roubo da vaca preta

Duma feita, meu pai Gelson                    guampinha virada pra cima”.               amigos do ponto de táxi, capazes até de
          Pellin, comprou, sem ao menos           Lá pelas tantas avistaram uma vaca    mandar anunciar um inexistente furto,
          ver, uma vaca. Apenas lhe foi                                                 só pra curtir boas gargalhadas. Ligamos
informado pelo vendedor, um gendarme          preta, com um toquinho de piola à ca-     o rádio e logo a voz cavernosa do locu-
argentino de nome Ramalho, que era            beça, passeando tranquilamente pela       tor se faz ouvir:
preta, gorda e pesava mais ou menos xis       rua próxima ao antigo campo do Na-
quilos. O bicho estava numa chácara na        cional Esporte Clube.                         - Foi roubada uma vaca preta da pro-
Argentina, bem próxima do rio Santo                                                     priedade do senhor Odonias Moresco. O
Antônio, fronteira com nosso país.                - Compadre Nerso, é essa a vaca? –    crime foi praticado em plena luz do dia
                                              Perguntou meu pai.                        por três elementos num fusca azul, o mo-
    O negócio foi fechado quando já                                                     torista usava um boné branco. Qualquer
estava escurecendo. Pago o preço e pra            Ainda titubeante e talvez tentando    informação que leve ao paradeiro do ani-
aproveitar a informação privilegiada de       solucionar o problema a que dera cau-     mal será prontamente gratificada.”
que a gendarmaria não estaria no pique        sa, acaba por sentenciar:
naquela noite, meu pai solicitou ao seu                                                     Meu pai, cujo boné branco era com-
compadre “Nerso” dos Santos que chi-              - É ela, ainda tá cos casco sujo de   panheiro inseparável, sorriu sem jeito,
beasse a ruminante pro Brasil, no que         cruzá o rio! E tá co toco de corda na     já na dúvida se era mesmo caso de pura
foi prontamente atendido.                     guampa! Só pode sê ela!                   empulhação.

    Jantávamos em família, quando lá pe-          E se atracaram na vaca como buldo-        Logo depois do almoço bate lá em
las nove da noite, batem na porta da casa.    gues. Assustada, ela saiu em disparada    casa Odonias Moresco, também conhe-
Era o compadre Nerso que retornava com        pela rua. Atrás, Chico e Nerso perden-    cido de meu pai. Meu velho foi mostrar
êxito de sua importação informal.             do as havaianas e meu pai, de fusca.      a ruminante atada no fundo do lote.
                                              Logo a algazarra atraiu a cachorrada
    - Cumpadre! Tá aí o bicho, mas a cor-     da vizinhança e alguns transeuntes. Em        - Gerso, essa é a minha vaca! Afir-
da é curta e tem que trocá antes que escape.  pouco tempo o grupo de perseguidores      mou Moresco.
                                              já era considerável, cercando daqui, es-
    Na época eu tinha uns 11 anos de          pantando de lá. Por fim pegaram a vaca.       - Não! É minha! Vamo lá no home
idade, e atendendo meu pai fui corren-                                                  que me vendeu pra comprová!
do apanhar um pedaço de corda no es-              À noite, nós em casa, alguém bate
toque do pequeno mercado de secos e           nervosamente à janela da sala. Era o          Subiram no fusca e passaram a al-
molhados da família, separado da resi-        Chico do Egídio:                          fândega, um mais desconfiado com o
dência por uma porta.                                                                   outro. Chegaram na casa do gendarme
                                                  - Gerso! Tá dando na rádio que ro-    Ramalho e este prontamente esclarece:
    Munidos duma lanterna, fomos              bemo a vaca! Me arrume um dinhero
os três ver a vaca que estava atada no        que vô metê o pé pro Paraguai antes que       - Chê Gerso, a vaca que tu me com-
fundo do lote. Surpresa! A semovente          me prendam!                               prô tá de volta lá na chacra.
já havia “semovido”, embrenhando-se
na escuridão, deixando um toquinho de             Meu pai achou graça e assegurou           - Não é pussive! disse meu pai. E ca-
corda presa ao palanque.                      que aquilo era uma brincadeira dos        íram na gargalhada.

    Na hora meu pai ordenou que saís-
semos no encalço da fujona. Não encon-
trada nas proximidades, seguimos pelo
carreiro rumo à Argentina, de ouvido
alerta, lanterna em punho e “alumian-
do” no meio dos taquaruçus, na esperan-
ça de encontrá-la. Que nada! Cruzamos
o rio, chegamos até onde o compadre
Nerso a apanhara e depois de alguma
procura constatou-se que não estava ali.

    Na manhã seguinte, meu pai e o
compadre Nerso, agora acompanhados
de um voluntário de nome Chico do Egí-
dio, embarcaram num fusca azul e saí-
ram em expedição de busca e apreensão.

    O compadre Nerso, que de vaca mal
sabia se mugia ou relinchava, esclareceu
que a dita era preta, mocha e “co’as

30 | abril | 2016 | REVISTA dA ORDEM
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