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opinião
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2017 | novembro | REVISTA dA ORDEM A necessidade de
uma jurisprudência
temporalmente estável
William Soares Pugliese Oart. 926, do CPC, determina argumentar é inspirado na técnica
Advogado inscrito na OAB que os tribunais devem uni- legislativa. Pense-se, por exemplo,
Paraná sob nº 52383 formizar sua jurisprudência em hipótese de que o Congresso bra-
Mestre e Doutor em Direito pela e mantê-la estável, íntegra e coeren- sileiro tenha a intenção de inverter o
Universidade Federal do Paraná te. Este dispositivo contém um con- padrão brasileiro de vias de mão du-
Professor do Programa de junto de princípios que demandam pla, de modo que os veículos devam
Mestrado da Unibrasil compreensão por parte do intérprete, transitar pelo lado esquerdo da via e,
Professor substituto de Direito principalmente por parte das próprias por consequência, a alteração em to-
Constitucional e Teoria do Estado da UFPR cortes, para que a estabilidade, a inte- dos os automóveis para que o assen-
Coordenador da Especialização gridade, a coerência e a uniformidade to do condutor passe a ser a poltrona
de Direito Processual Civil da ABDConst sejam, de fato, tomadas como elemen- da direita. Esta regra deveria passar
tos normativos. O ponto deste ensaio por um período de informação e de
Agir de é o de que, na linha do art. 926, uma adaptação por parte dos entes pú-
acordo com a jurisprudência estável deve se atentar blicos, das montadoras de veículos
estabilidade para o elemento temporal. e por todos os condutores. A altera-
não significa apenas ção de regras como esta exige ampla
perceber que a Katya Kozicki sintetizou, com acui- divulgação, tempo para adaptação e
decisão servirá como dade, as preocupações que devem pau- para a compreensão do novo funcio-
referência futura, mas tar a atuação do Poder Judiciário na namento do trânsito. A necessidade
considerar os efeitos construção do Direito e das decisões. de transição ocorre em inúmeros
que essa referência Para ela, os juízes devem ser respon- outros casos, como na alteração de
produz em relação ao sáveis por seus julgamentos e essa res- regras tributárias, contratuais, tra-
modo como as pessoas ponsabilidade pode ser lida em relação balhistas, dentre outras.
definem suas a três momentos: i) ao passado, “no
condutas.” sentido de descobrir dentro das nor- A jurisprudência, porém, é um
mas jurídicas, dos precedentes e den- espaço jurídico sem grandes preocu-
tro da própria história institucional da pações com o tempo. Veja-se, como
comunidade a norma aplicável ao caso exemplo, as recentes mudanças de
concreto”; ii) ao presente, “pois o cha- posicionamento do Superior Tribunal
mado da justiça exige sempre uma res- de Justiça quanto ao prazo prescri-
posta imediata”; e iii) ao futuro, “pois cional das repetições de indébito por
vão inscrever essas mesmas decisões cobranças indevidas, reduzidas de dez
na prática da comunidade, a qual vai para três anos, sem nenhuma regra de
servir de referência futura”. transição. A diminuição do prazo, sem
mediações, afeta a justa expectativa
Esses três momentos não são in- de inúmeros autores que ajuizaram
dependentes. A decisão de hoje não suas ações dentro do prazo prescricio-
está ligada apenas à resposta do caso nal considerado correto, na época em
concreto; pelo contrário, será esta de- que a inicial foi distribuída.
cisão que se inscreve na prática da co-
munidade e que, posteriormente, fará Ao se inserir a estabilidade na
parte da história institucional e cons- jurisprudência, a lei determina que
tituirá um precedente. Agir de acordo as próprias cortes tenham o cuidado
com a estabilidade, assim, não signifi- de preservar seus entendimentos e
ca apenas perceber que a decisão ser- que realize as alterações necessárias
virá como referência futura, mas con- com maior cuidado, delimitando o
siderar os efeitos que essa referência momento de incidência do entendi-
produz em relação ao modo como as mento, ou até mesmo considerando a
pessoas definem suas condutas. necessidade de transição entre o en-
tendimento passado e o novo.
De certo modo, o que se pretende
1 - KOZICKI, Katya. Levando a justiça a sério: interpretação do direito e responsabilidade judicial. Belo Hori-
zonte: Arraes, 2012. p.90.