Page 43 - Revista da Ordem - Edição 43

43
Ações de indenização:
o problema é a
vitimização?
Costuma-se dizer que alguns
autores de ações de indeni-
zação, ao levar para a Justiça tes para consumidores, nos quais as
problemas do dia a dia, não fazem
nada mais que supervalorizar peque-
nices às quais qualquer indivíduo está
sujeito. E pior: alguns ainda dizem
que essas pessoas querem ganhar di-
nheiro fácil, movimentando uma per-
niciosa “indústria da indenização”.
Num de seus livros, a professo-
ra Maria Celina Bodin de Morais1 faz
menção à obra “O homem desenraiza-
do”, na qual Tzevtan Todorov, ao tratar
das características da vida americana,
aponta o que ele chamou de fenôme-
no de “vitimização social”, que se ve-
rifica quando americanos acionam o
Judiciário em busca de indenizações
por situações cotidianas – como no
caso da pessoa que processa o municí-
pio porque caiu na rua, alegando que
isso não teria acontecido se as calça-
das fossem mais planas.
Se observarmos o principal le-
vantamento estatístico sobre a Justi-
ça brasileira, o relatório “Justiça em
números2, feito pelo CNJ, percebere-
mos que há, efetivamente, um gran-
de número de ações indenizatórias
na Justiça. Em 2016, por exemplo, o
assunto “indenização por dano mo-
ral” foi o mais demandado nos jui-
zados especiais estaduais e nas suas
turmas recursais.
A causa do grande volume de
ações de indenização, porém, não é a
mencionada e suposta vitimização. A
explicação é outra e é bastante sim-
ples: aqueles que prestam serviços
ruins, que vendem produtos ruins e
que, por isso, geram danos para seus
consumidores só agem assim em ra-
zão da sensação de impunidade, por-
que as indenizações, em geral, são
ínfimas. Prova disso são os rankings
1 - MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos
morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 3.
2 - Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/904f097f215c-
f19a2838166729516b79.pdf
3 - Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85594-bancos-e-telefonicas-sao-setores-mais-aciona-
dos-por-consumidores
2017 | novembro | REVISTA dA ORDEM
de reclamações feitos pela ANATEL, Gabriel Bittencourt
pelo Banco Central ou mesmo por si-
Inscrito na OAB Paraná sob nº 54.922
primeiras posições há anos são ocu- Pós-graduado em
padas pelas mesmas empresas. Direito Civil e Processo Civil
Professor de Responsabilidade
A qualidade dos serviços e pro- Civil na Escola Superior de
dutos não melhora e a quantidade de Advocacia da OAB Paraná
ações de indenização não diminui, Presidente da Comissão de
porque os fornecedores – principal- Responsabilidade Civil da
mente as grandes empresas, que são OAB Paraná desde 2012
as maiores litigantes do Judiciário
de acordo com outro levantamen- A qualidade
to encomendado pelo CNJ3 – sabem dos serviços
que lucrarão mais se continuarem e produtos
vendendo a mesma coisa, do mesmo não melhora e a
jeito; eles sabem que as indenizações quantidade de
que resultam destes processos não ações de indenização
compensam o custo do investimento não diminui, porque
para melhorar seus serviços. os fornecedores
sabem que lucrarão
O problema é que vivemos num mais se continuarem
país em que verdade e mentira são vendendo a
conceitos relativos e em que dizer a mesma coisa,
verdade pode não ser politicamente do mesmo jeito.”
correto – vale lembrar que aqui não
chamamos “carro usado” de “usado”,
mas de “seminovo”. Além disso, es-
tamos acostumados a culpar a pessoa
que usava uma corrente de ouro pelo
assalto de que ela foi vítima.
Pelo menos no contexto das
ações de indenização, a vitimização
é um mito, até porque muitas víti-
mas acabam não procurando a Justi-
ça em razão não só das baixas inde-
nizações, como também em virtude
da demora dos processos.
A solução para o problema da
grande quantidade de demandas in-
denizatórias é efetivação da função
punitiva da indenização, o que só se
conseguirá a partir do momento em
que os valores das indenizações forem
mais expressivos, sobretudo naqueles
casos que forem mais recorrentes. Só
assim se atingirá a única indústria que
existe, que é a do dano.