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A polícia teria extorquido a confissão do grande oportunidade de reparar o erro que 2017 | jan/fev | REVISTA dA ORDEM
“seresteiro” João Ferreira Guimarães Barbosa,
mais conhecido como Barbosa Paraná, com 60 cometi. Sim, erro que cometi, porque agora
anos de idade, que mal a ninguém fazia. Preso
e submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri estou tendo conhecimento da farsa cometida
de Ponta Grossa, os advogados, temerosos, re-
cusaram a defesa. O advogado Edwi Villacqua, pela autoridade policial e pelos responsáveis
curioso, olhou porta adentro do plenário e o
juiz Joaquim Meneleu de Almeida Torres deter- no processo que veio para este Tribunal.
minou que ocupasse a tribuna e fizesse a defe-
sa. Improvisou dizendo: “Todos sabem que este Nessas condições sinto-me muito bem em dar
homem é inocente, quem tiver coragem de absol-
ver, que absolva.” Absolvido por unanimidade o meu voto absolvendo João Ferreira
de votos. A acusação interpôs recurso ao então
Tribunal de Apelação. A decisão do júri foi re- Guimarães Barbosa, também conhecido por
formada e o réu condenado à pena de 21 anos
de reclusão. Consumava-se o erro judiciário. Barbosa Paraná, de toda e qualquer culpa,
O fato ficou conhecido como o “Caso Barbo- reconhecendo a sua inocência do crime que
sa Paraná”. Todos sabiam da inocência do con-
denado. Mário Jorge, que era auxiliar de mecâni- lhe foi imputado.”
co, resolveu visitá-lo na penitenciária, ouvindo
suas queixas, a truculência de que fora vítima e Todos os demais desembargadores acom-
as juras de inocência do sentenciado. Prometeu panharam o voto do relator. Foi absolvido. Era
que iria procurar um advogado. Ninguém se in- 1º de Julho de 1950. O condenado estava com
teressou pelo caso. Ao voltar ao presídio, ouviu 72 anos de idade. Mário Jorge e o colega Alir
do condenado já idoso: “Não se preocupe moço, Ratacheski ingressaram com ação de indeniza-
já me conformei em morrer aqui.” Vinha à mente ção contra o Estado do Paraná pelo erro judici-
a lembrança da expressão da mãe e a ojeriza que ário. Ação procedente.
criara aos profissionais dessa área. Entretanto,
jurou que iria cursar Direito e ele mesmo pro- Inúmeros outros casos de reparação de in-
varia a inocência de Barbosa Paraná. E assim o justiça poderiam ser citados. Mario Jorge mar-
fez. Ingressou na Faculdade de Direito da Uni- cou época na Advocacia Criminal. Criou o Ins-
versidade Federal do Paraná e, ainda acadêmico, tituto Brasileiro de Revisões Criminais com a
passou a correr atrás das provas. finalidade de revisar gratuitamente os proces-
sos de réus inocentes, condenados sem assis-
Inscreveu-se na OAB Paraná em maio de tência de defensor constituído. Não patrocina-
1948 como “Solicitador/Acadêmico” sob nº va causas que considerava injustas, mas ia aos
191. Em fevereiro de 1950, quando colou grau extremos na defesa do fraco, com razão. Tido
de bacharel em Direito, fez inscrição provisó- como defensor dos pobres. Foi considerado o
ria nº 152 e só mais tarde teve a sua inscrição maior homem do Júri do Brasil. Deixou em seus
definitiva sob o nº 1194. Ingressou com Ação arquivos dezenas de diplomas de mérito pro-
de Revisão Criminal. Levada a julgamento, fissional. Recebeu a “Medalha de Ouro Flávio
pediu a palavra o desembargador Antônio Cavalcante”, do famoso apresentador de TV.
Leopoldo dos Santos, revisor do processo,
que assim se expressou em meio à viva emo- Nasceu para a advocacia para reparar um
ção de toda assistência: erro judiciário. Voltou toda a sua vida à defe-
sa dos desvalidos. Sua voz rouca e desgastada
Sr. Presidente. Em 1938, quando o pelos debates orais - em nada menos de 1.500
júris - ressoava como a tábua de salvação dos
processo Barbosa Paraná subiu à oprimidos. Nunca se calou diante da prepotên-
cia, do abuso de poder, do abuso de autoridade.
decisão deste Tribunal, trabalhavam nesta
Faleceu em 1º de junho de 1987, deixando
casa os desembargadores Clotário Portugal, viúva D. Manita, a filha Jussara, casada com Val-
ter Souza Dias, ambos advogados, e a neta Suza-
Leonel Pessoa, Antônio de Paula e eu. O na. Dada a relevância dos serviços prestados à
sociedade, seu nome foi dado a ruas das cidades
único sobrevivente neste momento é o de Ponta Grossa, Curitiba e São José dos Pinhais.
desembargador que vos fala. Sorteado que Em comemoração ao Dia do Advogado, a
OAB Paraná, em 1989, prestou-lhe significativa
tinha sido para relator do processo vindo de homenagem. O então conselheiro Walter Bor-
ges Carneiro propôs e foi aprovada à unanimi-
Ponta Grossa, pedi a condenação de Barbosa dade de votos a afixação, no Tribunal do Júri
da Capital, de uma placa entalhada em bronze,
Paraná, diante das provas que vieram com o onde se lê: “ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL, SEÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ.
recurso de apelação. Assim, não me pejo em AO CRIMINALISTA MÁRIO JORGE, QUE FEZ
DO JÚRI A RAZÃO DE SUA EXISTÊNCIA, A
afirmar que fui eu o autor da condenação HOMENAGEM DA O.A.B. PARANÁ. CURITI-
BA, 11 DE AGOSTO DE 1.989.” A solenidade
desse homem, e afirmo que não estou oficial contou com grande número de pessoas
ligadas ao judiciário paranaense, sob o coman-
arrependido do meu julgamento naquela do do então presidente da OAB Paraná, José
Cid Campêlo, e do seu vice, Professor Fernando
época. Hoje, porém, rendo graças ao Criador, Vidal de Oliveira.
por estar vivo e por se me apresentar essa
*Terezinha Elinei de Oliveira é advogada, inscrita na OAB Paraná sob o nº 6.455.
Texto escrito com a colaboração da advogada Isabel Cristina Chiló Cechin (OAB-PR 42.942)