Page 31 - Revista da Ordem - Edição 43
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o princípio da confiança se deslocar      mento para pagamento de propina, é        para dar certo. Para ele, os frutos dos                                2017 | novembro | REVISTA dA ORDEM
para dar lugar ao princípio da des-       emblemático”, ilustrou.                   programas de integridade estão por
confiança. “Por isso é necessária a                                                 vir, assim como surgiram em outros
adoção de programas de integrida-             Outro exemplo, citou, é o daque-      países. “A americana Enron era con-
de”, sustentou.                           les que sonegam impostos alegando         siderada uma empresa modelo, mas
                                          que o Estado é corrupto e gasta mal,      descobriu-se na virada do milênio que
    Ao defender seu ponto de vis-         em típica negação de que haja uma         contabilizava negócios futuros como
ta, Guaragni citou o psicólogo social     vítima do crime. O distanciamento e       negócios feitos e sonegava impostos.
francês Gustavo Le Bon, que em sua        o dever da obediência são outros fato-    A alemã Siemens pagou US$ 1,4 bi-
obra apontou alterações do compor-        res que impelem para o desvio. “Têm       lhão em propinas de 2001 a 2007, o
tamento humano na vivência coletiva.      sido comuns, nos depoimentos sobre        que só foi descoberto nas auditorias
“No grupo todos se sentem mais po-        casos de corrupção, relatos dos que       impostas quando a empresa instalou
tentes e ousados em razão do relativo     dizem que apenas pagavam, sem sa-         bases nos Estados Unidos”, lembrou.
anonimato e da responsabilidade di-       ber o porquê ou para quem, já que as
luída; a sensação de poder aumenta;       listas apresentam apelidos em vez de          Para Freitas, os acordos de le-
há um certo ´contágio mental´, os va-     nomes”, mencionou.                        niência, oriundos do sistema norte-a-
lores individuais são substituídos pe-                                              mericano, representam uma justiça
los gerais e prevalece a tendência de     Em bom português. Ao de-                  negociada. Por aqui, avalia, é preciso
obedecer a um líder”, enumerou o ad-                                                afiná-los para não cair numa ´expe-
vogado, destacando que Edwin Sutter-      fender que a responsabilização penal      riência à brasileira´.
land confirmou a visão de Le Bon no       da pessoa jurídica é uma decisão polí-
campo da criminologia, desfazendo o       tica, Gustavo Scandelari começou com          “Nos EUA, o Estado cumpre com o
equívoco que associava o crime exclu-     uma ressalva. Para ele, a compreensão     que está no acordo de leniência e há
sivamente ao ambiente de pobreza.         mais ampla do compliance passa pela       percepção de que a aplicação penal é
“Sutterland indica que os crimes po-      adoção de um nome em língua portu-        efetiva e rápida. No Brasil, o TCU, por
dem partir tanto de operários quanto      guesa, que poderia ser programa de        instrução normativa, impôs a obriga-
de profissionais de colarinho branco”,    prevenção ao crime.                       ção de que toda e qualquer leniência
destacou Guaragni.                                                                  passe pelo seu crivo, usurpando sua
                                              Scandelari pontuou que mundo          finalidade constitucional, que diz res-
    Para o advogado está claro que as     afora as pesquisas indicam que a res-     peito à gestão pública”, comparou.
distorções citadas por Le Bon e rati-     ponsabilização da PJ contribui para a
ficadas por Sutterland são vividas nas    redução da corrupção. “Temos a res-           Freitas defende a necessidade de
empresas que, como qualquer grupo,        posta, mas achamos que a fórmula          rediscutir a matéria para dar efetivi-
lançam mão da neutralização para ne-      não funciona aqui. Ora, a realidade é     dade ao instituto, fazendo com que se
gar a responsabilidade, o dano, a acu-    que determina o Direito; não o con-       adapte ao ordenamento e que se har-
sação e até mesmo a vítima.               trário. A discussão não é mais ´se´,      monize com os programas compliance.
                                          mas ´como´. Precisamos aprender com
    “Assim se convertem as práticas       os erros dos outros países”, sintetizou.      Todos os painelistas foram unâ-
criminosas em modelos de gestão, fa-                                                nimes ao apontar o compliance como
zendo com que as empresas tenham              Paulo H. Freitas propôs uma dis-      uma prática que deve crescer diante
fins ilícitos em paralelo aos lícitos. O  cussão acerca dos programas de com-       da demanda da sociedade por livrar-se
caso da Odebrecht, com um departa-        pliance e dos acordos de leniência        da corrupção tanto na esfera pública
                                          como um casamento que exige ajustes       quanto na privada.

         Pesquisas indicam que a                                                   Em grupo as pessoas se sentem mais
         responsabilização da pessoa jurídica                                       potentes e ousadas em razão do relativo
contribui para a redução da corrupção”.                                    anonimato e da responsabilidade diluída”.

                                                       Gustavo Scandelari                                                              Fábio Guaragni
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