Page 43 - Revista da Ordem - Edição 34
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Desafios da 2017 | jan/fev | REVISTA dA ORDEM
advocacia na atual
modernidade líquida
Omundo mudou. Na verdade, o ela deve refletir os anseios da socieda- José Affonso
mundo está em constante mu- de em determinado momento histórico. Dallegrave Neto
tação. A novidade é que nos Mas hoje impera a diversidade e a frag-
últimos tempos as mudanças são acen- mentação da sociedade, fato que esva- Advogado inscrito
tuadas, significativas e em velocidade zia a noção de legitimidade ou anseio na OAB sob o nº 15211
turbinada. Até pouco tempo vivíamos social. Exemplo disso é a existência das Mestre e doutor pela UFPR
a era moderna, a solidez dos conceitos, inúmeras bancadas no Congresso Na- Pós-doutorando pela
dos princípios e da verdade. René Des- cional (ou tribos urbanas se preferirmos Universidade de Lisboa (FDUNL)
cartes inaugurava seu rígido método a expressão de Michel Maffesoli). De um Professor da ESA
no afã de encontrar a certeza (e assim lado, temos os ruralistas em contrapo-
o fazia a partir da conhecida premissa: sição aos ambientalistas; a bancada dos A atual
cogito, ergo sum). Nessa quadra, impe- religiosos em conflito com o movimen- sociedade
rou o positivismo jurídico. Os advoga- to GLBT; banqueiros em disputa com pós-moderna
dos e operadores jurídicos deveriam consumidores; trabalhadores versus se pauta por
aplicar as leis em uma dimensão cientí- empresários. E assim por diante. características
fica, sendo o Direito visto como dogma sensíveis: a
(inquestionável). Nesse instante his- Nesse cenário líquido, plural e velocidade, a
tórico não se admitia a ideia de lacuna conflitivo, resta saber onde nós, advo- fragmentação, a
da norma ou uso de meios de integração gados, nos encontramos. Quais os de- aversão à razão e o
(analogia, interpretação extensiva ou safios da advocacia diante dos atuais niilismo. Não se
teleológica). A Modernidade anuncia- valores pós-modernos? cogita mais uma
va uma sociedade melhor, a partir do verdade única,
progresso científico. E o Direito estava Ora, não se pode trazer uma res- apenas concepções.
nessa esteira sólida e utópica. posta peremptória ou exaustiva a essa Nessa toada, o Direito
questão, pois não sabemos, ao certo, entra em crise. Não
Com o passar do tempo, a histó- para onde estamos indo. Contudo, já pelo todo, mas em
ria demonstrou que as promessas de podemos dizer, ao menos, o que não sua versão dogmática
avanço não se cumpriram. Que o diga cabe mais na quadra forense. e hermética”.
o genocídio dos judeus (durante a Se-
gunda Guerra), a descobeta de doen- Com a profusão e abertura de
ças incuráveis (a exemplo da AIDS e centenas de Faculdades de Direito, o
o câncer), a degradação ambiental, e Brasil vive momento de exacerbada
a concentração do capital na mão de concorrência. Reflexo disso é a nova
poucos bilionários. A reação a esse postura de alguns escritórios, que
nebuloso cenário fez encetar um eco. montam estratégias acintosas na cap-
Vozes críticas, na música, na arte, na tação de clientes. A OAB tem papel
filosofia, e até mesmo na teoria críti- primordial nesse processo de depura-
ca do Direito, deram ensejo ao atual ção ética. Publicidade sim, propagan-
momento pós-moderno. O sociólogo da comercial de serviço jurídico não!
Zygmunt Bauman, falecido há pouco,
chama o nosso tempo de Modernidade Outro desafio reside na linguagem
Líquida. Observa-se que o predicado forense, a qual deve ser cada vez mais
líquido é usado para distinguir a so- objetiva e sucinta. Com efeito, deve-se
lidez do modelo anterior. Hoje tudo é evitar brocardos latinos, redações pro-
volátil e adaptável à necessidade efê- lixas, ou mesmo excesso de citações
mera do homem-consumidor. doutrinárias. Vivemos um tempo de
muita pressa. Um tempo sem paciên-
A atual sociedade pós-moderna se cia ou espaço para as grandes narra-
pauta por características sensíveis: a tivas. Jean François Lyotard, em obra
velocidade, a fragmentação, a aver- emblemática (“A condição pós-mo-
são à razão e o niilismo. Não se cogita derna”), observa que a pós-moderni-
mais uma verdade única, apenas con- dade é marcada pelo fim das metanar-
cepções. Nessa toada, o Direito entra rativas. Vale dizer, os longos discursos
em crise. Não pelo todo, mas em sua não cabem mais. E aqui exsurge novo
versão dogmática e hermética. desafio: ao advogado cabe a argumen-
tação dialética e sucinta, sem perder
Como resolver o impasse de um a densidade e a ternura. Sim, ternura.
Direito aperfeiçoado como Ciência, e Eis aí outra característica pós-moder-
inserido em um método cartesiano e na que junta e mistura sentimento e
silogístico? Aprendemos que a norma razão; argumento e emoção; erudição
jurídica deve ser reflexiva. Vale dizer: e concisão; conhecimento e interlocu-
ção entre os sujeitos do processo.