Page 34 - Revista da Ordem - Edição 37
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Comissões
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2017 | maio | REVISTA dA ORDEM vo, a equipe foi simplesmente ma- çar. Primeiro as coisas se estabele- me e desígnio sexual. “Hoje você vai
ravilhosa. Eles não sabiam que eu cem no plano da realidade. Ninguém até a Vara de Família e eles te man-
era uma mulher trans, então estava pode esperar cinco anos para ter a dam para outra Vara. Ouvimos mui-
com o meu nome antigo. Eu chamei sua identidade reconhecida. Eu sou tas pessoas para entender qual seria
uma pessoa, expliquei a situação e isso e quero ser chamada assim. É um a melhor saída. Essencialmente é a
eles me chamaram pelo nome que primeiro passo”, aponta Gisele. Vara de Registros Públicos, porque é
eu pedi”, recorda. a competência para as alterações no
Um dos pleitos da comissão é pa- registro civil de qualquer pessoa”, ex-
“O nome social é um paliativo, cificar o entendimento sobre a com- plica Rafael Kirchhoff.
mas é também uma forma de avan- petência para a retificação do preno-
Casos de Primeira advogada
discriminação transexual da Região
Sul é do Paraná
A Comissão acompanha denúncias específicas,
como o crime de ódio contra a travesti Natasha, “Durante muitos anos da minha vida usei uma máscara,
atacada e queimada por um grupo de rapazes no representei o papel do Marcos. Até que chegou o
dia 27 de dezembro de 2015. Moradora de rua, momento em que eu disse chega, não posso mais viver
ela faleceu após um mês internada no Hospital assim. Resolvi assumir ser quem eu sou”. O relato é de
Evangélico, com queimaduras de segundo e terceiro Gisele Alessandra Shimidt e Silva, a primeira advogada
graus em 80% do corpo. trans do Paraná e da Região Sul do Brasil.
Também estão sendo acompanhados pela Gisele conta que desde criança se identificava com o
comissão os casos de discriminação por vizinhos gênero feminino. “Eu sempre soube. É algo que começa
nos bairros do Novo Mundo e do Água Verde, em já na infância. Você usa roupa masculina com extremo
Curitiba. Neste, a Comissão esteve presente num desconforto, quer pertencer ao feminino”, relata a
ato de solidariedade ao casal Bruno Banzato e João secretária da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero.
Pedro Schonarth (foto), que foram hostilizados com a
distribuição de panfletos homofóbicos. Os desafios foram grandes. “Tive que ter muita força
de vontade. Não foi fácil. Já apanhei muito, levei cuspidas,
Uma nota de repúdio conjunta da CDSG, da um professor de educação física me apelidou de florzinha.
Comissão de Estudos Sobre Violência de Gênero e São traumas que você carrega pela vida inteira. Até hoje
da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos foi me pergunto como consegui terminar meus estudos,
lida ao final do evento. “O apoio da OAB tem sido me tornar uma advogada”, conta, lembrando que antes
fundamental, a começar pelo boletim de ocorrência, de assumir sua identidade desenvolveu
por exemplo, que não sabíamos nem onde registrar. depressão e síndrome do pânico.
Foi importante também a nota divulgada pela OAB
e lida no ato, que mostrou que estamos amparados”, “O pior preconceito que enfrento
pontuou João Pedro. é o velado”, conta Gisele. No
trabalho, sempre tive muito
“Se este caso trouxe alguma coisa boa foi trazer respeito de juízes, promotores,
para o debate pessoas que antes nunca tinham clientes. Mas o preconceito
pensado sobre isso. Às vezes a homofobia se existe. No meu caso é de
manifesta de maneira indireta, no teu trabalho, no dia maneira mais velada. Se é um
a dia. Este caso trouxe a homofobia de forma explícita, preconceito aberto, você se
mostrando à população que sim, ela existe, e que as defende na hora; mas do
pessoas estão sofrendo com isso”, destacou Bruno. velado, não há como se
defender. Não há como se
defender da hipocrisia”,
afirma.
Sobre a profissão,
Gisele se diz
realizada. “Amo ser
advogada, é uma
profissão com a
qual me identifico
bastante, não queria
fazer outra coisa
da vida. Tenho a
maior honra de ser
advogada, é uma
conquista. E uma
batalha a cada
dia”, relata.