Page 7 - Revista da Ordem - Edição 42
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as tecnologias, informática, ciberné-     Entre a propriedade privada e a pú-    te, o conhecimento, a saúde, que não       2017 | outubro | REVISTA dA ORDEM
tica, direito autoral, acesso ao conhe-   blica, normalmente se divide o aces-   podem estar sujeitos à apropriação.
cimento nas redes, biotecnologia e        so aos bens, quando um particular é    Nas cidades, por exemplo, às vezes há
bioética, tudo isso não foi regulado      o dono ou quando o Estado é o dono.    fábricas antigas que se transformam
pelo Código Civil. Então, é grande a di-  Mas hoje se discute em todo o mun-     em centros destinados à cultura. Os
ficuldade de se preservar a unidade sis-  do a possibilidade de se assegurar o   proprietários poderiam retomar es-
temática no âmbito dessas discussões.     acesso aos chamados “commons”,         ses espaços? Hoje se diz que não.
                                          bens comuns que são indispensáveis     Aliás, o Estado tem muitas proprie-
Na conferência de abertura do even-       à dignidade do homem, independen-      dades, às vezes prédios inteiros, que
to, o Sr. relacionou essa unidade sis-    temente de a propriedade ser pública   não são utilizadas no interesse de
temática à defesa dos direitos funda-     ou privada, para se alcançar direitos  toda a população. Será que não se
mentais e bens comuns. Como se dá         fundamentais. São bens da vida, bens   poderia, com o Ministério Público e
essa relação?                             vitais, como a água, o meio ambien-    a sociedade civil, exigir que isso se
                                                                                 volte para o acesso à cultura, ao co-
                                                       É muito                   nhecimento? A discussão que abriu
                                                       importante, para o        o nosso Congresso é essa, se, dentro
                                                       Direito Civil, a          da unidade sistemática, dentro dos
                                          harmonização entre o                   nossos valores, princípios e normas,
                                          Código, as leis, a                     será possível assegurar o acesso a
                                          Constituição da República,             esses bens, independentemente de a
                                          e, de alguma maneira,                  propriedade ser pública ou privada,
                                          tentar estabelecer critérios           preocupando-se menos com a titu-
                                          interpretativos que                    laridade, com quem é o dono, e mais
                                          mantenham a unidade do                 com a destinação, se a destinação é
                                          ordenamento como um                    essencial aos direitos fundamentais.
                                          sistema, sem incoerências.”            Temos que assegurar isso.

                                                                                 O Código Civil de 2002, já sob a égide
                                                                                 da Constituição de 1988, amenizou
                                                                                 os problemas de unidade do ordena-
                                                                                 mento, não?

                                                                                 De certa maneira, mas quando fa-
                                                                                 lamos em unidade sistemática a
                                                                                 gente não pode se enganar, achar
                                                                                 que uma lei por ser nova não requer
                                                                                 isso. Pode ser uma medida provisó-
                                                                                 ria desta semana e as discussões já
                                                                                 ocorrem. Por quê? Porque existe o
                                                                                 perigo de que cada setor, como o se-
                                                                                 tor bancário, o setor agrário, o setor
                                                                                 do consumidor, queira se fechar em
                                                                                 sistemas isolados: “aqui é meu mun-
                                                                                 do”. E aí se perde a noção de valor
                                                                                 de uma sociedade, em que as normas
                                                                                 jurídicas devem refletir uma cultura,
                                                                                 um modo de ser da sociedade. Essa
                                                                                 que é a unidade sistemática do pon-
                                                                                 to de vista axiológico, dos valores.
                                                                                 De alguma maneira, a renovação das
                                                                                 normas, como o Código de 2002, fa-
                                                                                 cilita um pouco. É diferente de ter-
                                                                                 mos normas de 1916. Mas, por outro
                                                                                 lado, o Código vai se construindo a
                                                                                 cada dia na sua aplicação e esse es-
                                                                                 forço, portanto, é permanente.

                                                                                 A propósito, o Código Civil completou
                                                                                 15 anos de promulgação em 2017. Que
                                                                                 balanço o Sr. faz dessa década e meia
                                                                                 do Código? Algum ponto já precisa ser
                                                                                 reformado?

                                                                                 Eu não sou muito fã do Código Civil
                                                                                 de 2002. De alguma maneira, o Códi-
                                                                                 go nasceu envelhecido, porque tinha
                                                                                 sido feito no passado, e procuramos
                                                                                 aproveitar o que há de bom no Códi-
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