Page 8 - Revista da Ordem - Edição 42
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entrevista: Gustavo Tepedino
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2017 | outubro | REVISTA dA ORDEM go, interpretando-o e fazendo adapta- perdeu a oportunidade de norma- profissionais em diplomas mais es-
ções. Muitos dos dispositivos do Códi- tizar. Não tratou de nada disso. Foi pecializados no seu dia-a-dia. Então,
go Civil vêm sendo alterados por leis uma pena. O direito de personalida- acho que em meio a essa quantidade
esparsas, muitos setores estão sendo de no Código Civil Brasileiro de 2002 enorme de cursos e de currículos tão
regulados por leis especiais, como o é muito tímido e apenas reproduz o desprovidos, a Ordem dos Advogados
setor de bioética. Mas o Código está que o Código italiano de 1942 pre- do Brasil tem uma grande responsa-
penetrando cada vez mais na nossa viu, e ainda com problemas graves bilidade, de fixar a prova de ingresso
sociedade. Então, eu diria que não se de redação. Mas, embora haja se- como uma prova que não deve medir
pretende alterar o Código Civil, senão tores muito conservadores e ainda apenas como se faz uma petição, mas
pontualmente. A matéria de Família vejamos muitas injustiças, cada vez cada vez mais tentar medir a cultura
e Sucessões, que ficou muito pouco mais a sociedade, através da juris- dos advogados, já que eles vão lidar
harmônica com as decisões jurispru- prudência, vem admitindo a igual- com pessoas e com dramas. Porque
denciais diante da defasagem do Có- dade das pessoas, dos transexuais. atrás de cada processo há um drama
digo, talvez mereça uma reforma, e há Eu acho que a tendência é essa, da humano. Esse é o papel da OAB. Já
projetos nesse sentido. Fora o Direito igualdade. É preciso mudar a cultu- as universidades públicas têm outro
de Família e Sucessões, no restante ra, para admitir que o sexo não seja enorme papel. Como elas não têm fins
a gente vem tendo um bom resulta- a genitália que a pessoa tem, mas o lucrativos, elas podem ter um papel
do na construção desse Código Civil conjunto de fatores psicológicos que formador de grandes advogados, como
aplicado pela jurisprudência brasilei- o definem, na forma como a pessoa tradicionalmente se fez, seja aqui na
ra. Acho que a virtude do Código foi, quer ser vista pela sociedade. Universidade Federal do Paraná, seja
talvez, permitir que o intérprete apli- na Universidade do Estado do Rio de
casse a Constituição e pudesse, assim, O Sr. foi diretor da Faculdade de Di- Janeiro, e aí por diante. Com a crise
interpretá-lo de uma forma progres- reito da Universidade do Estado do do Estado, em que o Estado brasileiro
sista. Mas eu não vi com muito bons Rio de Janeiro (UERJ) e agora enca- não dá os recursos suficientes para as
olhos o Código Civil de 2002, porque beça um movimento para recuperar universidades públicas, é preciso que
acho que ele não trouxe uma novidade a UERJ da maior crise de sua histó- as universidades tenham certa auto-
axiológica de peso. ria. Mas essa situação precária ocor- nomia de captação de recursos, com
re em todo o país: o ensino superior, pesquisas, com consultorias, com cur-
Muitos dos temas mais debatidos especialmente do Direito, está em sos de pós-graduação. Então, é preciso
pelo Direito Civil no momento envol- crise, e isso se reflete inclusive nos que a gente consiga, por um lado, ter
vem a questão de gênero e orienta- índices de aprovação da OAB. Como uma Ordem dos Advogados atuando
ção sexual, como a mudança de nome lidar com essa situação? firme no ingresso na carreira jurídi-
e até uso compartilhado de banhei- ca, que seja um critério balizador e
ros. Como grande estudioso dos di- Esse é um tema muito rico. O ensino que estimule o aperfeiçoamento dos
reitos da personalidade, de que for- jurídico foi se massificando e correndo próprios cursos de Direito. E, de outro
ma o Sr. acha que essa questão vai o risco de perder a tradicional forma- lado, que a universidade pública defi-
evoluir juridicamente no Brasil? ção humanista dos advogados, das Le- na seu papel de formadora do advoga-
tras, da História, da Filosofia... Isso foi do humanista e com ética pública.
Aí está uma questão que o Código uma demanda de mercado, de formar
Eu não sou muito A matéria
fã do Código Civil de Família e
de 2002. De Sucessões,
alguma maneira, o Código que ficou muito
nasceu envelhecido, pouco harmônica
porque tinha sido feito com as decisões
no passado, e procuramos jurisprudenciais
aproveitar o que há diante da defasagem
de bom no Código, do Código, talvez
interpretando-o mereça uma reforma,
e fazendo e há projetos nesse
adaptações.” sentido.”