Page 60 - Revista da Ordem - Edição 40
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60 Cadernos Jurídicos
elevado aumento de eficiência para ações de massa, com a direitos de imagem e à honra. O direito ao esquecimento –
consequente diminuição de quadros em grandes escritó- geralmente analisado a partir da ponderação dos direitos
rios. Pode significar também que os grandes escritórios que fundamentais (privacidade e intimidade versus liberdade
investirem nesta área ainda incipiente sairão na frente e de expressão) – assume novas nuances, dado o caráter pe-
causarão mais dificuldades aos pequenos. Essa pobre des- rene das informações armazenadas na Internet.
crição de cenário do impacto da inteligência artificial sobre
os operadores do direito é apenas um exercício grosseiro de Os retornos acelerados das redes sociais tornaram os
futurismo imediato, mas permite instigar uma provocante cidadãos produtores e consumidores vorazes de informa-
discussão sobre o impacto das novas tecnologias no direito. ção e opinião. Essa massiva expressão de pensamento faz
a sociedade mudar mais depressa o modo de ver o mundo.
De início as tecnologias inovadoras parecem inofensi- Até pouco tempo seria impensável alguém entrar num car-
vas, mas em dez anos, obedecendo o postulado dos retornos ro de um desconhecido que não faz parte de um serviço de
acelerados, tendem a impactar significativamente o direito, táxi para se locomover pelas cidades. Mas serviços como o
tanto no que diz respeito à gestão, quanto no que se refere do Uber e do Cabify, agindo sobre as ineficiências de um
ao próprio direito material. Muito além da inteligência ar- monopólio legalizado, mudou essa realidade. A economia
tificial, e fora as diversas ferramentas tecnológicas que já se de valor compartilhado é uma tendência em crescimento,
fazem presentes nos escritórios, há inovações que despon- como aponta Jeremy Rifkin (Sociedade com Custo Marginal
tam como promissoras para mudar radicalmente o direito. Zero, São Paulo: M. Books, 2016). E agora estimula os ope-
A tecnologia do blockchain, por exemplo, tem atualmente radores do direito a repensar a noção de serviço público, a
ocupado uma posição de destaque na cabeça dos empreen- forma de regulação estatal e as relações de trabalho.
dedores digitais, como bem demonstra Don Tapscott e Alex
Tapscott (Blockchain Revolution: Como a tecnologia por Para questões como as colocadas aqui não existem res-
trás do Bitcoin está mudando o dinheiro, os negócios e o postas óbvias. O operador do direito desavisado até pode ex-
mundo, São Paulo: Senai Editora, 2016). pressar opiniões pautadas no senso comum jurídico, dignas
desses comentários lastimosos que são publicados nas redes
Por ter a credibilidade de ser segura e operar de for- sociais. Mas, uma sociedade em transe, que consome infor-
ma descentralizada na rede (não tendo uma instituição mação e se expressa massivamente todo o tempo, usando
que precise certificá-la nem que registre as operações), a novas soluções tecnológicas sem muito pensar e quase sem
tecnologia permite a execução de contratos inteligentes e nem perceber, não pode aceitar reflexões displicentes que a
a certificação veracidade de documentos, entre outras en- afetam diretamente. Afinal, trata-se de estabelecer normas
genhosas aplicações. Diversas lawtech ou legaltech – como jurídicas que vão reger a sua vida tanto nas redes virtuais
são chamadas as startups na área do direito – estão testan- quanto nas suas relações sociais no mundo real.
do modelos de negócio utilizando blockchain e prometem
revolucionar áreas jurídicas inteiras, assim como o setor de Seguramente a reflexão sobre a construção do direito terá
certificação de documentos. O desafio, como quase sempre, de empregar outros campos do conhecimento, muito além da
é o de convencer a sociedade e, por vezes, também o Estado, esfera jurídica. Ética, filosofia, ciências políticas e sociologia
de que essa tecnologia traz conveniência, economia, utili- são áreas do conhecimento úteis para se repensar o direito,
dade e credibilidade para as transações humanas. a tecnologia e a sociedade. Sem esse olhar multidisciplinar o
operador cairá no vazio. Pode até recorrer à Constituição Fe-
Se de um lado o modo de operar o direito tende a mu- deral, numa investida hermenêutica quixotesca, e buscar nos
dar drasticamente ao longo nos próximos anos, de outro, as princípios, direitos e garantias fundamentais recursos para
tecnologias inovadoras e seus retornos acelerados impactam apresentar soluções. Mas será como empregar um cavalo e
significativamente a sociedade a todo o instante. E é aqui uma lança contra moinhos de vento.
que a atuação dos operadores do direito se faz mais rica.
O legislador constituinte jamais teve a oportunidade de
A Internet propiciou que tecnologia e sociedade funcio- sonhar com a complexidade que o mundo atingiria nas quase
nem numa intricada miríade de redes, que se comunicam três décadas que se passaram desde a promulgação da Cons-
em velocidade vertiginosa, produzindo mudanças de valo- tituição. A reinterpretação do texto constitucional, à luz da
res e comportamentos. As redes sociais e, agora, a Internet legislação e dos enigmas que a tecnologia em sua relação
das Coisas, impõem desafios adicionais às discussões sobre com a sociedade nos traz, tanto será mais rica quanto for a
privacidade e intimidade, especialmente no que tange aos formação multidisciplinar do operador do direito.
expediente Coordenador: * Os artigos são de responsabilidade dos respectivos
Fernando Previdi Motta autores e não representam necessariamente a opinião
ISSN 2175-1056 Advogado inscrito na OAB da OAB Paraná. Esta edição contou com a colaboração
Paraná sob nº 25.335 da Comissão de Inovação e Gestão da OAB Paraná.