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Mercantilização NÚMEROS 88 2017 | MARÇO | REVISTA dA ORDEM
Para Sánchez Rios, muitos brasileiros 1.201 cursos de Direito
depositaram na graduação a expec- só no Paraná
tativa de inserção e reconhecimento cursos de Direito no país
social, buscando sua própria dignidade
como cidadão. “As facilidades para o 16%
ingresso no ensino superior verificadas
num período específico aumentaram em universidades públicas e
a demanda por cursos considerados
como de fácil aplicação no mercado de 84% 14.381
trabalho, como é o curso de Direito. O
aumento da demanda propiciou o au- em instituições privadas novas vagas abertas apenas em 2017
mento da oferta”, afirma.
estas instituições, independentemen- tica dos alunos, daí a importância da
“O que se verificou, a partir daí, te da carreira que optem por exercer formação humanística do profissional
foi o princípio de um período de mer- e isso passa pela preocupação por um do Direito. “A Universidade Federal do
cantilização do ensino, onde a proli- menor número de discentes em sala Paraná vem aplicando há alguns anos
feração de instituições de ensino vol- de aula, pela melhor formação dos um currículo cada vez mais huma-
tou-se à configuração de programas professores, pela maior interação dos nista. Temos a preocupação de que o
educacionais cujos fins são direciona- docentes na instituição, pela diversi- aluno seja cada vez mais formado em
dos justamente para atender o perfil dade nas formas de ensino e pela me- matérias chamadas fundamentais, de
desta demanda: a alocação técnica no lhor renumeração dos professores”, modo que possua uma reflexão crítica
mercado de trabalho, descurando de sustenta Sánchez Rios. sobre o mundo”, explica Kanayama.
aspectos essenciais do próprio ensino
jurídico, das concepções sobre o Direi- Kanayama reforça a posição de “É importante que haja este co-
to e do papel do jurista na transforma- Rios. Para ele, se a instituição quer nhecimento de matérias fundamen-
ção social”, sustenta Rios. prestar uma boa educação jurídica terá tais ou filosóficas para que se forme
que investir nos professores. “Isso não um cidadão, não apenas um aplicador
A perspectiva de conter a mer- significa apenas bons salários, mas que do Direito, sem maiores reflexões”,
cantilização do ensino jurídico é a universidade apoie a capacitação, acrescenta. Kanayama também de-
inexistente, na opinião do professor que o professor faça mestrado, douto- fende que as instituições tenham li-
Rodrigo Kanayama, presidente da rado, aprimore-se cada vez mais. Que berdade para criar currículos mais
Comissão de Estudos Constitucionais dê condições para a pesquisa, para que maleáveis, adaptando os cursos às ne-
da OAB Paraná. “Cria-se um mercado organize congressos e seminários com cessidades regionais. “Não é possível
muito expandido, com muitos con- os alunos”, defende. impor um modelo único ao país, pois
correntes entre si, que vão brigar pe- é um território muito vasto. É preciso
los alunos não apenas demonstrando Perspectivas haver esta preocupação com as desi-
suas qualidades, mas também de- gualdades regionais, próprias da cul-
monstrando o seu preço. Infelizmen- “É fato que o papel das universidades e tura de cada local”, acredita.
te esta é a realidade, mas é de difícil faculdades face às transformações so-
contenção no atual cenário”, frisa. ciais e tecnológicas que permeiam nosso Controle e
tempo tem sido posto em cheque, obri- aprimoramento
“Há uma profusão de cursos, um gando-as a, de um modo geral, repensar
número absurdo de vagas em diver- o seu próprio papel e reestruturar-se No mesmo sentindo, Rodrigo Ka-
sas instituições e com uma educação ante os problemas que esta nova realida- nayama sustenta que é fundamental
jurídica que é de qualidade duvidosa. de impõe”, pondera Sánchez Rios. que haja um controle rigoroso da
Criamos um círculo vicioso em que qualidade das faculdades e um apri-
há muitos alunos com falhas na edu- Para o jurista, o aperfeiçoamento moramento do Exame de Ordem, de
cação básica e professores desvalori- da educação não alcançará bons pro- modo a avaliar efetivamente o co-
zados”, avalia Kanayama. gressos sem investimento em capital nhecimento do futuro profissional.
humano. “Se a preparação dos profes- “Teremos muitos anos de dificulda-
Docente sores é importante, tanto mais o é o des. Só mesmo uma reforma séria,
perfil dos alunos, que também preci- desinteressada, resolverá a questão,
De acordo com Sánchez Rios, as sam ser responsabilizados no processo tanto no âmbito da OAB quanto no
implicações da mercantilização do de aprendizagem: o ensino deve ser Congresso Nacional”, diz.
ensino jurídico são observáveis tam- formativo, e não informativo”, defende.
bém sob a perspectiva do docente, “O modelo de ensino jurídico bra-
que vê desprestigiada sua ativida- É fundamental, na opinião do pro- sileiro necessita urgentemente de
de tanto sob um prisma financeiro, fessor, a introdução de métodos de uma revisão, tanto na autorização
implicando em baixa remuneração, ensino interdisciplinares que exijam de cursos quanto no controle. Temos
quanto sob o viés do arcabouço auxi- que os novos profissionais transitem duas opções: ou deixamos que isso
liar no preparo e elaboração de aulas. em várias áreas do conhecimento. “A seja decidido pelo mercado, e os alu-
“Falta-lhe tempo e, principalmente, pergunta a nortear esse processo é: o nos vão decidir se o curso é bom ou
incentivo à pesquisa científica no que o profissional formado em Direi- não, ou vamos deixar que o Estado
âmbito do Direito, esta que também to pode fazer para contribuir para a exerça um mínimo de controle sobre
se vê desmerecida em seu papel na transformação social da realidade na estas instituições. Parece-me que a
promoção de políticas de grande im- qual está inserido? ”, questiona. segunda opção é a mais adequada para
pacto social positivo”, avalia. o nosso modelo”, defende Kanayama.
O ensino jurídico deve possibilitar
“O papel da OAB, por meio de a capacidade de análise e reflexão crí-
sua Comissão de Educação Jurídica, é
preocupar-se com a qualidade da for-
mação dos profissionais que deixarão