Page 54 - Revista da Ordem - Edição 38
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2017 | junho | REVISTA dA ORDEM pitoresco
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O cão arremessado
por Valdecir Guidini de Morais
Em 1992, um processo foi ins- a vítima que jogou o falecido no quin- as vizinhas aqui qualificadas como ré
taurado na 4ª Vara Criminal tal da casa da ré, e esta, após embalá-lo, e vítima vivem em “pé de guerra”. Lá
de Maringá, porque a ré de devolveu-o ao quintal da adversária. não reina a paz e não há felicidade. O
nome – digamos - Madalena teria jo- bairro é de classe pobre e infelizmen-
gado no quintal de sua vizinha, por Assim manifestou-se o Ministério te as pessoas vivem se digladiando.
assim dizer Francisca, um saco plás- Público: “MM. Juiz: fulana de tal, já Quanto à prova do crime, as duas tes-
tico contendo um cachorro morto em qualificada nos presentes autos n. tal temunhas ouvidas disseram que não
adiantado estado de putrefação. foi denunciada e responde à presente presenciaram os fatos, sendo que uma
ação penal, porque teria perturbado a delas afirmou também que soube que
Atuei como promotor de justiça na tranquilidade da vítima ciclana de tal primeiramente foi a vítima que jogou o
causa. Dias antes tinha atendido outro e seus familiares, quando no dia 24 de animal morto na casa da ré, tendo esta,
caso envolvendo animais. Neste, tam- junho de 1992, por volta das 13h, no apenas, procedido a devolução. A con-
bém uma senhora, veio reclamar que Bairro de Santa Felicidade, nesta ci- clusão a que se chega, é que perdemos
um vizinho tinha matado o seu gato, dade, jogou no quintal desta um saco o nosso precioso tempo e que este in-
a pauladas. Quando a indaguei se ti- plástico contendo um cachorro morto feliz processo não passa de uma grande
nha provas quanto à morte do felino, a em adiantado estado de decomposição. e verdadeira cachorrada. O caso, por-
mulher disse que sim. De pronto abriu Preliminarmente, deve ser salientado tanto, merece ser resolvido com a ab-
um saco plástico e mostrou-me o ani- que enquanto a justiça está abarrota- solvição da ré, por insuficiência de pro-
mal morto. Fiquei deveras traumatiza- da de feitos criminais para julgamen- vas, com fulcro no artigo 386/VI/CPP,
do com a grotesca situação, mas, por to, nos defrontamos com um processo restando a todos nós uma corrente de
dever de ofício, tomei as providências desta natureza, envolvendo um ca- oração para que o indefeso e pranteado
cabíveis e requisitei a instauração do chorro (já sem vida), que nada mais cão descanse em paz”.
competente inquérito policial. representa do que o fruto de intriga
entre vizinhas que habitam no bairro. Consta que a defesa corroborou
Voltemos ao caso do cachorro. A Paradoxalmente ao nome do próprio o meu pedido, e o MM. Juiz absolveu
prova colacionada na instrução do pro- bairro - no qual deveria reinar a paz, a ré, fazendo apenas considerações
cesso resultou dúbia, sendo que uma a felicidade, e a compreensão entre as quanto à insuficiência de provas e à
das testemunhas ouvidas asseverou pessoas - constata-se que, na verdade, insignificância da causa.
que, por ouvir dizer, primeiramente foi