Page 58 - Revista da Ordem - Edição 38
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58 Cadernos Jurídicos
Constituição, José Arthur
estabilidade e Castillo de Macedo
democracia Advogado inscrito
na OAB/PR nº 50.931
Professor do curso de
Direito do IFPR/Palmas
Doutorando em Direito do
Estado pelo PPGD-UFPR
Integrante da Comissão
de Estudos Constitucionais
da OAB/PR e pesquisador do
Núcleo Constitucionalismo e
Democracia do PPGD/UFPR
Há mais de dois anos o Brasil tem passado por uma do com o princípio republicano (art. 1º, CF), ao tratar a todos
das maiores crises de sua história, em uma com- os investigados da mesma forma, aplicando a eles, de forma
binação incomum de crise política e econômica. idêntica, as regras que regem as investigações e assegurando
Nesse período, a regra tem sido a instabilidade e as relações os direitos fundamentais de todos os investigados ou réus.
promíscuas entre poder político e econômico foram escanca-
radas, sobretudo após a deflagração da Operação Lava Jato. Não obstante a fiscalização exercida pelas instituições,
Neste contexto de crise e de enorme protagonismo de alguns também é fundamental recuperar o protagonismo da socieda-
atores, é imprescindível que perguntemos qual é o papel das de. Algumas pessoas poderão dizer que a sociedade tem sido
instituições e da Constituição na garantia do Estado democrá- protagonista ao ocupar ruas e praças com passeatas, o que é
tico de direito e da República. meia verdade, pois alguns poderes públicos tem solenemente
ignorado a sociedade ou se negando a com ela dialogar. Uma
É grande a tentação de procurarmos respostas simples prova desta afirmação é a forma como tem sido conduzido
para os complexos problemas que enfrentamos. A angústia o debate a respeito da reforma trabalhista e da previdência.
gerada pela prolongada instabilidade política e pela tensão Parece que a opinião da sociedade não importa para muitos
vivenciada em um contexto de relações sociais radicalizadas políticos. Além de um grave erro político, tal comportamento
tende a estimular a produzir a resposta fácil do voluntarismo é inconstitucional e gera ainda maior instabilidade política.
ou do salvacionismo. Estes caminhos são conhecidos: basta
escolher a pessoa “X” que salvará a nação (salvacionismo), ou, Em uma República democrática, os poderes devem ser res-
basta colocarmos as pessoas certas em algumas posições que ponsivos, isto é, devem dar respostas às preferências expressas
os problemas serão resolvidos (voluntarismo). Contudo, a his- pelos cidadãos. Além disso, devem ser promotores de um deba-
tória dos países mais justos e probos prova que não há nada te robusto de ideias. O debate político só será robusto quando
de mais equivocado, pois o melhor caminho para enfrentar forem levadas em consideração as posições de todos os possí-
tais problemas passa pelo cumprimento da Constituição, com veis afetados pelas decisões a serem tomadas. Por exemplo, no
atuação das instituições e o respeito a vontade da cidadania. debate sobre a reforma da previdência, devem ser ouvidos os
especialistas em economia, os representantes dos trabalhado-
Como se sabe, desde a Constituição de 1891 importamos res e dos empregadores, dos aposentados, etc. Caberá aos re-
da Constituição dos Estados Unidos algumas instituições presentantes (do Executivo e do Legislativo) ouvi-los e, depois,
como o federalismo, o presidencialismo e a separação dos po- apresentar as suas as razões que justifiquem perante a socieda-
deres. Desde então nossa separação dos poderes é baseada na de a tomada de decisão num sentido ou noutro.
ideia de que um poder controla o outro evitando abusos no
exercício de suas funções, conforme a técnica de freios e con- A combinação de instituições fortes e imparciais com
trapesos. Entretanto, este mecanismo não tem funcionado no a participação ativa da população pressupõe políticos que
Brasil. Ao invés do Poder Legislativo controlar o Executivo e atuem de forma responsiva e que fomentem um debate pú-
do Executivo instituir um diálogo com o Legislativo a respeito blico robusto acerca das melhores saídas para a crise. Em um
das melhores soluções para a crise econômica, observamos, Estado democrático de direito, e, especialmente, na República
atônitos, muitos políticos darem as costas para a sociedade. Federativa do Brasil, o papel das instituições é representar a
Não bastasse isto, assistimos o conluio entre políticos, gran- vontade do povo de quem emana o seu poder (Art. 1º, pará-
des corporações e empresários corruptos, que privatizaram o grafo único da Constituição). Agir de forma diferente, toman-
Estado monopolizando-o para a realização de seus interesses. do decisões à força sem a apresentação de justificativas pú-
blicas e racionais que possam ser debatidas publicamente, é
No entanto, é verdade que algumas instituições tem de- agir contra a Constituição e reproduzir um passado de arbítrio
sempenhado papel importante para que tais práticas não que não condiz com um regime democrático. Portanto, a saída
se repitam. Porém, delas e de todas as instituições deve ser da crise e a retomada da estabilidade passa pelo respeito aos
exigida a atuação imparcial diante dos complexos problemas direitos fundamentais e pelo cumprimento da Constituição.
enfrentados. No atual momento, essa atuação estará de acor- Algo simples, porém de difícil realização.