Page 60 - Revista da Ordem - Edição 38
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60 Cadernos Jurídicos
não tem um modelo para seu desenvolvimento nos dustrial ou agroindustrial concebido nos anos 40 a 60
próximos 30 anos. No entanto, esta é a chave para o do século passado, e para os quais instituições como
século XXI. o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES), a Empresa Brasileira de Pesquisa
Por um lado, a necessidade de tornar o Brasil uma Agropecuária (Embrapa) e o Banco do Brasil foram
sociedade mais justa e solidária não é mais uma ques- concebidos como peças fundamentais, será radical-
tão de natureza exclusivamente moral. É uma questão mente abalado. Esse modelo gerou uma indústria
de resiliência social. Isto é, de ter os meios para lidar petroquímica avançada, uma indústria aeronáutica
coletivamente com as circunstâncias de crise perene importante, uma renovada agroindústria e um siste-
de um ambiente econômico, social e ambiental muito ma bancário competitivo. Mas o baixo investimento
mais ameaçador do que qualquer experiência ante- na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias
rior. Ter uma sociedade justa e solidária, como deter- não foi suficiente para gerar expansão proporcional
mina a Constituição, tornou-se agora, uma questão do setor de serviços, nem para fazer florescer algum
de segurança social e, assim, de proteção coletiva. dos três setores mencionados acima. O Brasil favore-
Entretanto, superar a injusta distribuição de renda ceu e tem protegido mais intensamente a indústria
para construir uma sociedade resiliente exigirá re- de bens de consumo e produtos da cadeia de ali-
formar o sistema tributário para distribuir mais equi- mentos básicos (particularmente a carne vermelha)
tativamente os custos dessa transição. Também será e de vegetais pouco viáveis para o consumo humano
preciso ser implacável com desperdícios e desvios de (soja). A necessidade de garantir a resiliência econô-
recursos públicos, eliminar subsídios injustificáveis mica para o Brasil exigirá uma mudança radical aqui:
e todas as formas de discriminação (notadamente as instituições de ciência e tecnologia devem proliferar
de gênero e de oportunidades sociais), empoderar para apoiar as decisões de investimento econômico.
as pessoas com educação superior, investir mais nas
crianças do que em idosos, reinventar a tecnologia de Por fim, a garantia do desenvolvimento nacional
financiamento da criatividade e de geração de renda, exigirá a reinvenção da governança das cidades, no-
de proteção da saúde, e de proteção dos mais vulne- tadamente das metrópoles, e do meio ambiente, em
ráveis. As instituições sociais imaginadas para o Bra- especial de recursos escassos, como a água, e reapro-
sil da elite política que saiu da Assembleia Nacional veitamento dos resíduos. O nível politico local, por-
Constituinte incluem a família como unidade afetiva, tanto, será muitas vezes mais importante do que é
a escola pública, o transporte público, o crédito para hoje. Em relação à resiliência urbana e ambiental o
a moradia, o Sistema Único de Saúde, o Sistema Úni- direito constitucional de 1988 teve poucas ideias es-
co de Assistência Social, o Cadastro Único e o Bolsa timulantes. Nisso estamos, de fato, muito atrasados,
Família, a Previdência Social, os sindicatos de traba- e precisaremos imaginar smart cities.
lhadores. Agora todas precisarão ser atualizadas. Já
não servem para a classe média e para novos ricos Esse contexto mais profundo coloca em pri-
do Brasil. Nem respondem adequadamente aos novos meiro lugar uma instituição pouco prestigiada no
desafios da mudança estrutural do capitalismo digi- Brasil: a ciência. Nunca houve um momento mais
tal. Faltam arranjos adequados de defesa social e de importante para uma nova e audaciosa politica
oportunidades sociais para uma era que deve gerar científica do que o atual. A revolução do desenvol-
mais desemprego do que emprego, mais distância vimento, que exigirá muito dos governos e de no-
entre os conectados e os desconectados. Falhar nisso vas instituições está ligada, como nunca, ao êxito
pode ser irreversível, e a violência difusa será só o do novo conhecimento científico e do domínio de
primeiro sintoma. Não o pior. tecnologias que ele possa propiciar para o âmbito
econômico, social e ambiental.
Por outro lado, a necessidade de garantir o desen-
volvimento do Brasil, ou como diz a Constituição, o O “momento constitucional” tem duas crises.
desenvolvimento nacional, já não tem mais nenhum Uma superficial e outra profunda que vai aparecendo
apelo de natureza exclusivamente produtiva. O de- progressivamente. As duas exigem ação. A primeira,
senvolvimento nos próximos 30 anos estará profun- ação dentro das regras e instituições vigentes. É uma
damente, e ineditamente, conectado à inteligência ar- casca. A segunda, não. Traz uma semente nova que
tificial (IA) à produção de bens liderada pela indústria reclama um novo pacto de civilidade, um novo arran-
4.0 (IoT), e a tecnologia que imita e controla a vida. jo de prioridades que, definitivamente, passou desa-
Isso quer dizer que o modelo de desenvolvimento in- percebido pela Assembleia Nacional Constituinte. É o
grande desafio constitucional do nosso tempo.
expediente Coordenador: * Os artigos são de responsabilidade dos respectivos
Fernando Previdi Motta autores. Foram enviados como instrumento de colaboração
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