Page 60 - Revista da Ordem - Edição 42
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60 Cadernos Jurídicos
dentes de resolução de demandas repetitivas, bem como sua maioria, foram oriundos de relações de consumo que
as orientações do plenário ou órgão especial aos quais es- envolviam serviços bancários e de telecomunicações. Em
tiverem vinculados. Já o artigo 926, do CPC/15, estipula sentido completamente diverso, contatou-se que a Primei-
que “os Tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e ra Seção do STJ tem entendido que incumbe ao fornecedor
mantê-la estável, íntegra e coerente”, incorporando assim demonstrar o engano justificável, sob pena de se aplicar a
os valores centrais do sistema de precedentes, em espe- penalidade da repetição em dobro do indébito. A maioria dos
cial a igualdade, a segurança jurídica e a previsibilidade, casos tratavam de cobranças indevidas em serviços de forne-
pelo princípio de que casos similares devem ser tratados cimento de água, saneamento e energia elétrica.
da mesma forma (treat like cases alike).2
A divergência jurisprudencial sobre o tema, entre as
Neste contexto, importa analisar a ausência de padro- Primeira e Segunda Seções do STJ, demonstra que a tese,
nização das decisões do Superior Tribunal de Justiça, a res- muitas vezes aplicada em julgamentos pelos tribunais, de
peito de um tema que é frequentemente trazido à lume em que a comprovação da má-fé do fornecedor seria um requi-
milhares de processos judiciais, qual seja: a aplicação da sito para repetição em dobro do indébito, não é pacífica.
repetição em dobro do indébito, prevista no artigo 42, pará- Esta constatação é relevante, eis que, em maio de 2015, o
grafo único, do CDC. O artigo 42, parágrafo único, do CDC, Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino afetou o Recur-
assegura ao consumidor o direito à repetição em dobro dos so Especial n. 1.517.888/RN, para ser julgado como recurso
valores cobrados de forma indevida, salvo se o fornecedor repetitivo (art. 1.040, do CPC/15), pela Segunda Seção do
demonstrar o engano justificável na cobrança. A respeito STJ, sobre as hipóteses em que se permite a devolução em
dos requisitos que devem ser observados, para aplicação dobro do indébito. No mês seguinte, em junho de 2015, a
da penalidade do artigo 42, nota-se que o STJ apresenta Ministra Maria Thereza de Assis Moura admitiu o proces-
duas orientações divergentes sobre a matéria, a saber: (i) samento de embargos de divergência (EAREsp 600.663/RS),
a devolução em dobro do indébito deve ser aplicada, caso o apresentados contra acórdão da Quarta Turma do STJ, que
fornecedor não demonstre que a cobrança indevida se deu exigiu a prova da má-fé do fornecedor como requisito para
mediante engano justificado; e (ii) a devolução em dobro a devolução em dobro, recurso que também aguarda julga-
deve ser aplicada, quando for demonstrada que a cobrança mento, pela Corte Especial do STJ.
indevida decorreu de má-fé do fornecedor.
A pacificação da orientação do STJ sobre o tema é fun-
A divergência entre as orientações firmadas, a respei- damental, em respeito à segurança jurídica, à previsibili-
to da mesma questão jurídica, tem impacto significativo. dade das decisões judicias e à igualdade de tratamento dos
Quando se admite a repetição em dobro do indébito, quan- jurisdicionados. Não é crível que se estabeleçam interpre-
do não demonstrado o engano justificável na cobrança, tações distintas da mesma norma (art. 42, parágrafo único
nota-se que a orientação imputa ao fornecedor o ônus de CDC), apenas pelo fato dos recursos serem julgados por um
prová-lo, sob pena de se aplicar a regra do art. 42, parágrafo ou outro colegiado da Corte Superior, conforme a modali-
único, do CDC. De outro lado, ao se exigir a demonstração dade de serviço contratado e consequente distribuição de
da má-fé na cobrança como requisito para a repetição em competência na Corte.
dobro do indébito, transfere-se ao consumidor o ônus da
prova sobre a má-fé do fornecedor. Em conclusão, até que se tenha a definição, pela Corte Es-
pecial do STJ, a respeito de qual orientação deve prevalecer
Em pesquisa recentemente publicada,3 constatou-se que sobre os requisitos necessários para a devolução em dobro do
há inúmeras decisões da Segunda Seção do STJ, no sentido indébito, não há como se atribuir a qualquer das orientações o
de que cabe ao consumidor provar a má-fé, para se admitir status de precedente obrigatório, nos termos almejados pelos
a repetição em dobro do indébito. Os casos analisados, em artigos 311, II, 332, 926, 927 e 932, do CPC/15.
2 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios – 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 99-101.
3 OLIVEIRA, Andressa Jarletti Gonçalves de. KOZIAWY, Stefany Guerra. Devolução em dobro e a exigência da prova da má-fé: constatação a partir do descumprimento
da boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor n. 109, jan-fev/2017.
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Fernando Previdi Motta autores. Foram enviados como instrumento de colaboração
ISSN 2175-1056 Advogado inscrito na OAB para o debate acerca dos temas escolhidos e não
Paraná sob nº 25.335 representam necessariamente a opinião da OAB Paraná.
** Esta edição contou com a elaboração do
advogado Gilberto Andreassa Júnior.