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Sensível à realidade das minorias, a advogada Maria de família no Direito. “Agora a família tem ‘S’ porque estão 2017 | junho | REVISTA dA ORDEM
Berenice Dias criou há 10 anos a Comissão de Diver- dentro deste arcabouço as famílias homoafetivas. Vejam que
sidade Sexual do Conselho Federal da OAB e desde o afeto está aí. Temos as famílias poliafetivas, que ainda não
então está à frente dos trabalhos do grupo. A gaúcha foi a estão sendo reconhecidas. Existe agora a pluriparentalidade.
primeira mulher a ingressar na magistratura do Rio Grande E vejam que a nossa lei ainda fala em reconhecimento de filho
do Sul e a primeira desembargadora daquele estado. Uma das dentro e fora do casamento. Não tem como não reconhecer-
fundadoras e atual vice-presidente do Instituto Brasileiro de mos as diferentes realidades das pessoas. Pessoas do mesmo
Direito de Família (IBDFam), ela deixou a magistratura antes sexo vivem juntas, formam uma família porque eles querem
do prazo da aposentadoria para abrir o primeiro escritório assumir responsabilidades mútuas, só isso. É a isso que o Di-
especializado em Direito Homoafetivo do país. Sua atuação a reito deve corresponder: à responsabilidade decorrente do
levou a defender causas em todas as regiões do Brasil. afeto”, disse, na palestra que ministrou no congresso.
Na OAB Paraná, onde participou do II Congresso Para- À Revista da Ordem, ela falou sobre sua atuação na
naense de Direito de Família, ela falou sobre a constante evo- Comissão de Diversidade Sexual e o atual cenário do Di-
lução da sociedade e a necessária flexibilização do conceito reito de Família.
Para ser igual Primeira juíza, primeira desembargadora
é necessário
às vezes ter leis Foi isso que me levou a ter este olhar um pouco mais questionador, mais críti-
protetivas, tratar co, inclusive tentando trazer e abarcar estes segmentos mais excluídos, porque
desigualmente os eu fui excluída pelo fato de ser mulher, e isso me doeu muito. Eu não entendia
desiguais.” porque que alguém, pelo simples fato de ser de um sexo, não podia exercer al-
gum tipo de função.
Direitos LGBTI, atual cenário e desafios
Não há legislação nenhuma que regulamente e assegure os direitos dessa popula-
ção. A Justiça e os tribunais é que vêm concedendo e reconhecendo alguns direitos.
Quando integrava a magistratura do Rio Grande do Sul, durante 35 anos, trabalhava
numa câmara especializada do Direito de Família em que muito surpreendia o fato
de haver um número muito pequeno de decisões sobre estas temáticas. Acabei me
dando conta de que a resistência era de os advogados aceitarem patrocinar causas
assim, ou por causa do preconceito, ou pelo fato do desconhecimento. Isso, aliás, foi
um dos motivos que me levou a me aposentar - para abrir um escritório e colocar na
placa que trabalho com direito homoafetivo. No mesmo dia em que recebi a carteira
da OAB já entrei com requerimento pedindo a criação de uma Comissão de Diver-
sidade Sexual junto à OAB no Rio Grande do Sul e fui conseguindo criar outras em
muitos estados e cidades. Depois que tínhamos um número significativo fui ao Con-
selho Federal da OAB para buscar a criação de uma comissão nacional. A finalidade
das comissões é um pouco a de qualificar os profissionais do Direito para trabalhar
com estes segmentos. Levar à sociedade o conhecimento de direitos que são reco-
nhecidos, mostrar que eles podem ser buscados. Muitos não procuram advogados
porque não sabem que têm direitos. Acho que estamos em fase de construção de um
novo ramo do direito, que é o direito homoafetivo.
Uniões homoafetivas
São relacionamentos que têm uma dificuldade probatória muito grande. As
uniões heterossexuais são mais fáceis de provar, os vizinhos se dispõem a ser tes-
temunhas, eles têm fotos. Já os pares homossexuais não têm, eles têm que se es-
conder para não apanhar, como aconteceu bem recentemente no Rio de Janeiro.
O que salvou muitos homossexuais foi a selfie, a necessidade de documentar. Os
tabelionatos, num primeiro momento, não queriam fazer escrituras públicas. Eu
fazia contratos com testemunhas, que têm força da existência do fato em si, ou
seja, as uniões existiam e eu deixava expressa a manifestação dos desejos. Depois
consegui convencer alguns tabelionatos a fazer, fui ao congresso de notários para
mostrar para eles que estavam perdendo um grande nicho de mercado. Foi com
base neste crescimento que o próprio STF reconheceu o acesso ao casamento.
O Legislativo e as minorias
Temos um Legislativo absolutamente conservador, fundamentalista, que o
único argumento que traz é de ordem religiosa, fruto do preconceito da pessoa
de lidar com a diferença. A legislação deve existir para assegurar direitos para as
minorias – as minorias excluídas, as minorias invisíveis - para assegurar o que
diz a Constituição Federal. Mas para ser igual é necessário às vezes ter leis prote-
tivas, tratar desigualmente os desiguais. Daí a necessidade da criança, do idoso,
do consumidor terem uma legislação especial. Os cidadãos mais vulneráveis são
objetos da legislação. Temos direitos garantidos apenas por decisões.