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54 Cadernos Jurídicos

    No Brasil, a necessidade ou não de regulamentação do              A questão é que, se admitida a natureza de valores mobi-
tema foi objeto de discussão em audiência pública realiza-        liários, a oferta pública desses ativos depende de autorização
da na comissão especial da Câmara dos Deputados6, mas             do órgão regulador (CVM), que já alertou inexistir qualquer
o assunto não avançou significativamente desde então. O           pedido de registro para oferta abertas ao público de ICO no
Projeto de Lei nº 2.303/2015, de autoria do Deputado Au-          Brasil. Observou, porém, que “há operações de ICO que não
reo Ribeiro, dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais e        se encontram sob a competência da CVM, por não se confi-
programas de milhagem aéreas na definição de ‘arranjos de         gurarem como ofertas públicas de valores mobiliários”10. Por
pagamento’ sob a supervisão do Banco Central, alterando           fim, também destacou a CVM que “valores mobiliários ofer-
em parte as Leis nºs 12.865/2013 e 9.613/1998.                    tados por meio de ICO não podem ser legalmente negociados
                                                                  em plataformas específicas de negociação de moedas virtuais
    A intenção alinhada no projeto de lei ainda é palco para      (chamadas de virtual currency exchanges), uma vez que estas
muitos debates e é cercada de arestas, já que, em grande          não estão autorizadas pela CVM a disponibilizar ambientes de
medida e à revelia do Banco Central, insere as criptomoedas       negociação de valores mobiliários no território brasileiro”11.
dentro de um complexo sistema de pagamentos para inter-
mediação de trocas, disciplina que cabe unicamente ao Con-            Em suma, se as ofertas inicias de “moedas virtuais” fo-
selho Monetário Nacional e ao Banco Central do Brasil.            rem realizadas em plataformas privadas, na qual não há
                                                                  ingerência fiscalizatória da CVM, o ato estaria dentro do
    É sabido que a política de controle dos meios de paga-        espaço de livre transação comercial entre os agentes eco-
mento fica a cargo do Conselho Monetário Nacional, criado         nômicos, sujeita, pois, aos respectivos riscos naturais de
pela Lei 4.595/64, que tem por objetivo regular o valor inter-    qualquer operação de investimento.
no e externo da moeda a fim de evitar surtos inflacionários
e equilibrar o balanço de pagamentos do País. Ao Conselho             Contudo, mesmo nesta hipótese e a despeito da ausên-
Monetário Nacional é atribuída, ainda, a competência de au-       cia de regulação específica da CVM, há expressa recomen-
torizar as emissões de papel-moeda pelo Banco Central do          dação do órgão regulador para que os “potenciais investi-
Brasil, nos termos do artigo 10 da referida lei.                  dores que se deparam com anúncios de ICO, como forma
                                                                  de evitar o risco de fraude, verificar no site da Autarquia se
    E, por sua vez, o Banco Central do Brasil, no exercício       o ofertante é emissor registrado na CVM ou se a oferta foi
do poder de controle do sistema monetário, lançou há mais         registrada ou dispensada de registro”12.
de três anos o Comunicado nº 25.306, em 19.02.2014, no
qual alertou que as “chamadas moedas virtuais não têm                 De certa forma, as perguntas ainda seguem sem respos-
garantia de conversão para a moeda oficial, tampouco são          tas. É impossível prever se a criptomoeda é uma imensa bolha
garantidos por ativo real de qualquer espécie”7. Ou seja, as      especulativa prestes a estourar ou se, em breve, poderão se
criptomoedas estão fora de caixa de controle da Autoridade        encaixar dentro do sistema brasileiro de pagamentos ou even-
Monetária e não possuem regulação interna para utilização         tualmente assentar-se como ativos disponíveis para investi-
como meio de pagamentos.                                          dores com resistência às oscilações de mercado.

    Como inexiste lastro concreto e confiável no valor de             O Estado, pelos seus órgãos reguladores, trabalha nesse
conversão das moedas virtuais, que em verdade acabam por          intrincada linha entre a livre circulação de ativos e o moni-
depender diretamente da volatilidade do mercado e da capa-        toramento dos riscos de criação de bolhas especulativas. No
cidade de aceitação dos agentes econômicos, sua utilização        tocante ao tema das criptomoedas, atualmente ainda há um
como instrumento de pagamento de operações comerciais             campo sem regulamentação e, com isso, os desafios dos agen-
é bastante limitada, sobretudo porque é dotado legalmente         tes econômicos se tornam mais complexos na exata medida
de efeito liberatório e, mais ainda, não há “nenhum meca-         em que se desconhece o limite e a real capacidade das transa-
nismo governamental que garanta o valor em moeda oficial          ções realizadas nestas plataformas virtuais.
dos instrumentos conhecidos como moedas virtuais, ficando
todo o risco de sua aceitação nas mãos dos usuários”8.                Como todo e qualquer ativo de investimento, a capacida-
                                                                  de de geração de riquezas de determinado produto está dire-
    Por outro lado, a Comissão de Valores Mobiliários, Autar-     tamente ligada às expectativas dos investidores e ao potencial
quia que detém a competência para fiscalizar permanentemen-       risco da operação. Por enquanto, embora os instrumentos de
te as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários  regulação estatal tenham se mostrado atentos às notícias
(artigo 8º, inciso III, da Lei 6.385/76), recentemente divulgou   diárias a respeito do tema, não há, em breve tempo, nenhum
nota explicativa para esclarecer ao mercado que está monito-      indicativo de que as criptomoedas serão palco de estruturação
rando o “avanço das operações conhecidas como Initial Coin        legislativa, ficando a cargo dos investidores privados a tarefa de
Offerings (ICOs)”9. As ofertas inicias de moedas virtuais traba-  medir os riscos reais e potenciais desse tipo de investimento.
lham a partir da concepção de que as criptomoedas são valo-       Por isso, ao menos do ponto de vista jurídico-estrutural, as crip-
res mobiliários, ou seja, não necessariamente utilizadas como     tomoedas continuam sendo pauta para perguntas sem resposta.
meios de pagamento de transações, mas como pacotes de in-
vestimento como quaisquer outros (ações, debêntures, etc.).

6 http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/RADIOAGENCIA/542125-BANCO-CENTRAL-NAO-RECONHECE-MOEDAS-VIRTUAIS-COMO-DINHEIRO-E-DISCOR-
DA-DA-NECESSIDADE-DE-REGULAMENTACAO.html
7 https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?method=detalharNormativo&N=114009277
8 https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?method=detalharNormativo&N=114009277
9 http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171011-1.html
10 http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171011-1.html
11 http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171011-1.html
12 http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171011-1.html
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