Page 58 - Revista da Ordem - Edição 43
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58 Cadernos Jurídicos
investimentos convencionais e que pouco contribuem res se sintam atraídos a exercer a atividade empresarial,
em termos sociais. asseverando que o investidor anjo não responderá por
qualquer dívida da empresa.
É de conhecimento geral que eventual insucesso da
atividade empresarial, mesmo em uma pessoa jurídica Compreenda-se bem: não se trata de anular o risco
que – em tese – traga limitação de responsabilidade, pode do investimento na atividade empresarial, já que é im-
atingir o patrimônio pessoal do sócio/instituidor, em va- possível assegurar que qualquer atividade dará o resul-
lor muito além do que se calculava como possível perda. tado econômico esperado, portanto, não se tem a certeza
de lucro. O que se fez, acertadamente, foi, novamente,
Como reação a tal panorama, o legislador brasilei- aprioristicamente apresentar ao interessado a possibili-
ro tem discutido formas de incentivar que particulares dade de calcular qual será a perda, caso venha a existir.
(como eu e você) tenhamos interesse em investir na ativi-
dade empresarial, ou seja, em assumir riscos calculáveis. Neste sentido, veja-se o que disciplinou o parágrafo
4º, inciso II, do art. 61-A:
As discussões se pautam na necessidade do Brasil se
tornar mais convidativo para receber investimentos des- § 4o O investidor-anjo:
te tipo, especialmente porque trazem reflexamente dis- (...)
tribuição de riquezas, produção de empregos e receita ao “II - não responderá por qualquer dívida da empre-
Estado por meio dos tributos, o que não existe na mesma sa, inclusive em recuperação judicial, não se aplican-
proporção quando se fala em investimentos como a pou- do a ele o art. 50 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002
pança e fundos de renda fixa. [Código Civil]”.
A ideia do legislador foi clara: incentivar o investi-
Em 27 de outubro de 2016 foi publicada a Lei Com- mento nas startups por intermédio da figura do inves-
plementar n. 155 que, dentre outros temas, inseriu o art. tidor anjo, trazendo a este a segurança de que caso o
61-A na Lei Complementar n. 123/2006 (que entrou em empreendimento não logre o esperado êxito, as perdas
vigor em 01o de janeiro de 2017), positivando a figura do do investidor anjo serão somente aquelas decorrentes
investidor anjo. do investimento de capital realizado, não podendo ser
estendidas nem mesmo em caso de desconsideração da
Trata-se da pessoa (física ou jurídica) que faz apor- personalidade jurídica.
te de capital em microempresa ou empresa de pequeno Verifica-se que é uma reação à notória e lamentável
porte2 já existente (geralmente startups) sem que seja banalização da desconsideração da personalidade jurídi-
considerado sócio, tenha ingerência ou responsabilidade ca, uma vez que se a limitação de responsabilidade das
por débitos da sociedade. sociedades limitadas fosse respeitada, sequer seria ne-
cessário tal reforço legislativo.
Em contrapartida ao investimento, o investidor anjo Tal iniciativa legislativa, acrescida da regulamenta-
será remunerado por seus aportes, nos termos do con- ção acerca da tributação incidente, via Instrução Nor-
trato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos mativa 1.719 da Receita Federal do Brasil de 19 de julho
(art. 61-A, § 4º, III da Lei Complementar 123/2006). Ao de 2017, tende a contribuir para o crescimento dos in-
final de cada exercício, o investidor anjo fará jus à remu- vestimentos na atividade empresarial, afinal é tudo uma
neração correspondente aos resultados distribuídos (na questão de segurança e confiabilidade na análise do in-
forma do contrato), não superior a 50% (cinquenta por vestidor. Cabe ao intérprete do direito, nos mais variados
cento) dos lucros da sociedade. Além disso, o investidor ramos, assegurar o cumprimento efetivo da norma, vez
anjo poderá transferir a titularidade de seu aporte (li- que caso referido dispositivo legal comece a ser relativi-
mitações nos parágrafos 7º e 9º do art. 61-A, § 4º, III da zado, as esperanças de incremento da atividade empre-
Lei Complementar 123/2006), também podendo angariar sarial retornarão ao estágio zero.
capital a partir desta transferência.
O grande mérito do legislador foi de compreender a
necessidade de se delimitar o risco para que particula-
2 Lei Complementar 123/2006
Art 3º. Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples,
a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devi-
damente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e (...)
II - no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais)
e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões eoitocentos mil reais). (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016) Produção de efeito.